O pensamento lá em você'

Duas fotografias foi apenas o que restou. Levanto da cama e coloco os meus pés no chão frio; o chinelo velho que você tanto gostava desapareceu em meio às mudanças. Sobrou no quarto uma lembrança vaga de que um dia você esteve aqui.
No banheiro não encontro aquele seu batom coral que eu implicava só para pode te ver sair do sério e sem esperar, retirá-lo dos seus lábios com um beijo feroz.
Os cabides no guarda-roupa permanecem desocupados. Esperando que perceba o erro de partir; ficam à espreita do retorno como eu.
A sua escova de cabelo continua no carpete, no mesmo lugar que você deixou em sua tentativa de me acertar a face.
A última briga...
Não ocupo o lado vazio no colchão e o frio nos lençóis retira-me o calor; fico semi vivo, semi morto. É como tentar pôr terra numa cova sem fundo.
A sala, detalhadamente, registrou seu cheiro. A cada brisa suave atravessando o cômodo me traz seu sorriso brando, seu olhar sapeca e aquela pitada de essência de pitanga dos doces que você costumava confeitar.
Na cozinha encontram-se os milhares de cacos de louça da xícara que te dei em nosso primeiro aniversário de namoro. Ela era a metade da minha, as duas compondo um coração. Você atirou-a aos meus pés e seus pedaços vermelhos ainda preenchem os espaços no piso branco.
Nada mais será como antes. E agora mesmo, nada se encontra no mesmo lugar.
Os seus pesos de papel perderam o foco com o tempo. Suas cartas alimentam as traças e seus últimos livros jazem num baú no sótão da casa.
Eu sou outro homem sem você aqui. Não preservo mais a infantilidade atraente, as brincadeiras maliciosas e o meu jeito sedutor. Fiquei na lembrança de quem fui.
E de todos os móveis, pedaços, partes da casa; de todos os fatos e tempo vivido por nós, prendo-me na dor que é a sua falta.
Nada que eu possa fazer me colocará cara a cara com você; não mais.
Contento-me então. Pois você, minha amada, foi a única que amei.
Sobrou-me o continuar a existir. Mas já é hora de voltar a você.
Sento em nosso balanço no quintal e recordo do tempo em que as crianças brincavam distraídas ali. Dou um impulso fraco e acompanho o ritmo do movimento. Visualizo você chamando meu nome com biscoitos e leite, entusiasmada como menina.
Retiro as fotografias do bolso e contemplo a vida que tivemos.
Dou outro impulso e fecho os olhos. Duas fotografias, foi apenas o que restou.



"Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo
Levará você de mim;
Eu sei e você sabe
Que a distancia não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste.
Por isso, meu amor,
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham prá voce!"♪
Eu não existo sem você -
Tom Jobim/Vinícius de Morais

5 Comentários:

Diana Góes comentou:

menina.. Adorei!! Cada dia mais adoro ler seus textos.. Ate qndo nem tenho tempo. Bjinho

Vitória Cabral comentou:

Nossa, que liiiiiiiindo!

Monique Premazzi comentou:

Que lindo Rebeca *-* Você quase me fez chorar, suas palavras são tão fácieis e lindas. A leitura vai longe em seus textos e a gente consegui sentir o que você quer que o texto passe. Lindo! xx

GiovannaMoser comentou:

fotografias e lembranças, sempre digo que é muito melhor vivermos com as dores das lembranças, do que viver sem elas.

Isadora Beatriz comentou:

Adorei! O bixinho, fiquei com pena. O layout Ta lindo DEMAIS! beijos!

 
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