O dez de lata.


Caminhando pela calçada movimentada.
Contemplando as vitrines. De nariz erguido, corpo ereto.
Entra e sai com seu salto de verniz; não usa cartão e só passa cheque.
As sacolas nas mãos já não cabem. Sobre a cabeça mantêm evidente o seu chapéu vintage.
Rebola com ar superior. Suspira indiferente.
Os que admiram seus segredos expostos no decote largo e na saia justa são meros fantoches;
Marionetes de bolsos fartos.
Gabriela, ela diz a um. Ana Clara, responde ao outro. E segue soberana.
Mudando, ganhando, comprando ilusão.
Olha a nota que conquistou com o último cliente. Respira o odor convencional de cédula usada; repassa.
Repassa a cara, o corpo, a alma! E como repassa.
Encontra uma butique de estilista francês. Calcula mentalmente o que lhe sobra na bolsa.
Entrega a nota desgastada com as demais notas novas. Preenche o pulso com mais sacolas como por pulseiras.
Delira. A cena é agradável, ela prospera; foi o previsto.
Alcança a lanchonete barata onde pode contar suas moedas. Tudo é máscara.
Pede um café com leite e um cigarro. Bebe enquanto fuma.
No banheiro fétido limpa a face e restaura- a em nova identidade.
Acentua suas linhas de expressão. Aperta bravamente o espartilho.
O garçom, seu cúmplice, fica à espreitar do balcão. Reconhece as moedas deixadas por ela.
Põe-nas em potes distintos. Tudo é máscara, ele sabe.
Recolhe uma nota solitária um tanto queimada pelo cigarro ainda aceso.
Guarda-a no jeans sujo. Coleta outra nota de lata e leva susto. Aquieta-se.
Esconde entre seus pertences cada sacola dela.
Tem consciência que a recompensa não demora a chegar.
Analisa a burguesa sedutora saindo pelos fundos do estabelecimento.
Imagina o momento em que a lingerie vermelha completará seu espaço vago na boca.
Delira. A cena é agradável, ele se satisfaz; foi o previsto.
As pessoas na rua reconhecem a moça como elegante, alta classe, podre de rica.
A esquina reconhece a mulher que ocupará apenas mais um lugar sob poste.
E rindo dela, de si e dos demais, o garçom reconhece a garota.
Mais falsa que o dez de lata que ele pôs no caixa.
Limpa uma mesa, esfrega um chão.
E seguimos nós em nossas máscaras.

"Permaneço eu com os segredos mais secretos.
Com os desejos mais malévolos.
E os pensamentos repletos dos mesmos demônios
que visitam você a cada noite escura de frio crescente." - R.C.S

5 Comentários:

Escritoras.com comentou:

O que eu posso dizer dos seus textos? Sempre lendo. sempre aqui! esse ficou tão real que chega a assombrar!

Anônimo comentou:

amei este texto.. sério.

é muito bom. Fantástico.

;*

Anônimo comentou:

Adorei o texto!
Me lembrou um pouco Razão e sensibilidade,de Jane Austen, mas provavelmente foi por causa da foto =D

Sucesso no blog,
Bjus

Anônimo comentou:

Q lindo isso - amei :D

Fernanda Pessanha comentou:

É tudo um jogo para esconder realmente o que somos. É melhor ser outra pessoa do que ter que encarar os fatos.

 
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