Corri desesperadamente por toda a campina. O negrume da noite não permitia que eu enxergasse um palmo a frente do meu nariz. Tropecei várias vezes nas raízes robustas das árvores que cercavam o lugar. Arranhei minhas mãos em cada queda e mesmo com a dor latejante que subia por meus braços não me permiti parar, secar as lágrimas, respirar pausadamente.
Eu queria sair daquela paisagem sombria o mais rápido possível, mas não fui esperta o bastante a ponto de marcar o caminho que me conduzira até ali; pior, eu não fui esperta o bastante a ponto de recusar um convite.
Karl Miller é o garoto mais reservado da escola. Não tem amigos, não tem ninguém em que possa confiar.
Eu já estive no lugar dele há um ano e aquela lembrança me fez querer ser amiga daquele garoto misterioso em seu teor de timidez. Sentia-me ligada a ele de alguma forma mesmo não encontrando um motivo aparente. Ás vezes penso que é o fato dele viver hoje a mesma história que eu vivi quando entrei para a Valenti's School.
Só que a minha aproximação me trouxe a um beco sem saída. Nos dias de inverno, no norte do país, a sol entra em despedida depois das quatro da tarde e resto-nos a solidão da neve no quintal ou os chocolates quentes no calor da lareira. A floresta da região é o lugar mais inóspito e nunca se deve sair sozinha para uma caminhada quando perto do pôr-do-sol. A floresta guarda seus mistérios e ninguém se atreve a procurá-los.
Nesse 20 de Julho resolvi deixar meus amigos de lado e ir sentar-me ao lado do Karl. Nos primeiros dez minutos ficamos calados olhando cada um a sua bandeja com frutas, refresco e uma fatia de torta de maçã. Curiosamente, Karl deu o primeiro passo perguntando-me rispidamente o motivo que me fez largar meu grupo de sempre e sentar ali, naquela mesa afastada de tudo, naquele pior lugar para se fazer uma refeição.
Eu o fitei muito mais do que permitem as regras formais e gaguejei quando disse que não tinha uma resposta e que apenas tinha uma vontade de estar perto dele. Não sei se fui convincente, mas ele não tocou novamente no assunto e me vi fazendo planos para encontrá-lo nessa maldita campina depois da escola.
A neve começa a colar meus pés no lugar, a cada passo fica difícil mexer um centímetro do meu corpo.
Não encontro brecha alguma que possa tirar-me daqui e meu parceiro de aventura se acusa aparecer.
- Quem me dará um ombro amigo quando eu precisar? - ouvi aquela voz conhecida, mas estava rouca pelo mal tempo. Karl estava ali. Eu não tinha certeza das horas que passei esperando, mas sabia que ele não poderia estar naquele pequeno espaço aberto sob as nuvens há muito tempo.
- Karl, onde você está? Eu preciso de você. Por que demorou tanto? Eu estou presa aqui, não encontro uma saída. Onde você está?- falei ficando apavorada por não conseguir visualizar seu rosto e por não saber de onde vinha o som da sua voz.
- Carolina, você não respondeu minha pergunta. - ele falou despreocupadamente como se ele não entendesse que eu estava ferida, cansada e necessitando do calor sadio de uma boa fogueira.
- Karl, escute uma coisa, eu não sei o propósito do seu convite. Não entendo o motivo de me deixar aqui, de me querer presa num lugar onde eu possa morrer. Mas entenda algo: eu estarei com você! Eu nunca senti uma vontade tão grande de proteger alguém, de cuidar de alguém como a que tenho por você. Eu quero ser sua amiga, seu ombro, braços e pernas. Tudo em que possa se apoiar e tudo em que possa confiar. - falei rapidamente, mas usei toda a minha sinceridade. Mentir não me ajudaria a ir embora daquele maldito lugar e em meu íntimo sentia que dar um passo errado agora me custaria a vida.
- Tem certeza?- ele falou sondando-me.
-Sim, eu tenho. E você, Karl? E se eu cair, se eu vacilar, quem vai me levantar? - retribui com uma pergunta. Se essa amizade fosse nascer no meio de uma tempestade de inverno, onde todo o meu corpo doía e sentia o sangue das minhas mãos solidificando-se a cada segundo; gostaria de saber quais eram minhas chances, o que aquele garoto totalmente estranho para mim pensou ao me convidar para aquilo que eu julgava ser meu encontro com a Dª Morte.
- Eu, Carolina. Eu vou. E se eu não bastar, nada mais bastará. Serei tudo para você. - ele disse convicto.
E no instante seguinte senti um braço ao redor da minha cintura guiando-me por um lugar totalmente novo. Um lugar longe das nuvens, um lugar que ainda guardava um pouco do calor do Sol.
- Carol perdoe-me. Eu vi o pavor em seus olhos, mas acredite que você não esteve sozinha em nenhum instante naquela campina. Eu apenas precisava te ter ali, saber o quão fiel e comprometida você poderia ser.
Eu estive a sua procura e mesmo aparentemente solitário eu sabia que chegaria o dia em que eu não precisaria me esconder debaixo desse novo rosto. Não precisaria dessa falsa identidade.
Alisando meus cabelos, secando meu rosto que fora lavado pela neve e limpando cada ferida minha, Karl chorou sua lágrima solitária.
- Agora durma! - ele disse sério e impassível de contestação.
Aconchegando-me num possível sonho pude ouvi-lo sussurrar:
- É você, na verdade, quem salva minha vida. Eu sabia que essa amizade aconteceria que toda a minha dor chegaria ao fim. Agora posso alcançar a plenitude.
- Agora eu posso sentir-me completa. - falei sonolenta, no nosso abrigo improvisado, enquanto era arrastada a um sonho próximo da realidade, onde eu estava jogada num poço fundo e completamente escuro e que apenas o som de uma voz conhecida poderia resgatar-me dali.
5 Comentários:
WOOOOOOW! Meu texto favorito do seu blog, muito bom, amei *-*
xx
esse texto nao é nem um pouco grande né? HSAU
mais nao dexa de ser perfeito!
bjs :*
O nome do pessoal é tão diferente para a história se passar aqui no hemisfério sul... Não sei se gostei dessa fidelidade canina da garota. Não sei se gostei do tipo voyer que ele faz... Sei que gostei do texto.
O melhor de tudo é que depois podemos nos sentir completo!! Beijos.... passa la =)
O país é ao norte mesmo, do globo. Tipo Canadá Carlinha.
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