Estou aprendendo com a noite. Dá sempre para encontrar
a luz de dentro, quando a luz de fora se apaga. - L.M
- Alguém está aí? - o chorinho da criança medrosa tocou minh'alma.
Não gostaria nunca de estar naquele lugar, de trocar as posições. E mesmo se quisesse, não poderia.
- Por favor... eu tenho tanto medo. Medo de ficar aqui para sempre. - passou a barra da camisa encardida no nariz entre fungadelas fartas.
Posso sentir o calor do corpo da criança, ver suas feições mesmo no escuro. Posso vê-la encolhida; esperando.
- Quem fez isso comigo? Por que não aparece e me mostra seu rosto? - os olhos faiscaram de fúria nesta última parte, mas logo voltou ao seu estado natural.
Ah! Criança, o quão inocente você pode ser? Eu não posso te ajudar mais... e preciso tanto de você quanto você de mim! Por que não se move, afinal? Por que não procura a saída que está tão próxima, só a cinco passos do seu braço esquerdo?
E mais choros e soluços, mais engasgos também - ela é desonrosamente fraca - E mais soluços, lágrimas, gemidos de dor e medo.
- Agora chega... não vê que estou sofrendo? - e por um triz pareceu indignada. E por um triz pareceu chegar ao fundo de si.
Mas só. Só por triz. Tudo nela é assim: um triz. Uma linha fina e semi transparente.
- Aprenda de uma vez criança: eu não vou te libertar. Essa provação é individual e restrita a você. Pare de ter medo! Pare de chorar! Levante desse chão frio e olhe ao redor. Grite, criança! Tateie, criança. Só assim encontrará a saída!
E no instante seguinte ela levantou a cabeça. Ainda soluçava muito, mas isso já era um progresso.
Secou novamente as lágrimas na blusa suja e foi andando, gritando e tateando tudo à sua frente.
Demorou quase três horas para encontrar a tal saída. Uma saída que estava há cinco segundos de distância; mas isso não importa. A criança saiu do esconderijo, respirou um pouco de ar puro e me deu um sorriso zangado, mas satisfeito.
- Está vendo esse buraco na colina? Na semana passada eu te disse o quanto ele era perigoso e mesmo assim você resolveu entrar. Quando se é adulto, poucas coisas podemos fazer para mudar quem somos. E você, criança, carrega a felicidade de ser duas. De ser eu e ser você. Eu não poderia entrar neste lugar, porque como você pode notar, eu sou bastante crescida. Mas nunca te abandonei; eu deixei sempre uma luz, mesmo que fraca, na escuridão para que encontrasse o caminho.
- Mas eu não entendo... eu senti tanto medo. E pouco me recordo de ter entrado neste buraco! - falou envergonhada batendo o pé com força no chão.
- Mas entrou! E entrou sob aviso. E foi muito mais fraca do que eu imaginei que seria, pois sempre me tomei como forte. Mesmo assim, eu quero te agradecer porque mesmo com medo e dor você encontrou em algum lugar de si a centelha necessária para escapar: a centelha de luz que eu trouxe. E a única centelha capaz de me libertar de quem eu era. Adultos quase nunca mudam, e hoje, foi o meu dia para mudanças. Obrigada.
Já estávamos no pôr-do-sol. Ela segurou minha mão e fomos caminhando colina baixo.
- Minha criança e eu, minha criança e eu.
8 Comentários:
O que? real? :O
Macabro isso :|
Mas adorei o texto. Sério, Bell..
Não costumo mentir não. Só quando me pagam pra isso hahahaha.
Brincadeira rsrsrs.
Beijão, querida.
Ai Naty, eu sou bem confusa nos meus textos na maioria das vezes... mas eu adoro conversar comigo mesma. E tenho o péssimo ( não para mim) hábito de falar sozinha, mesmo hoje, tão "adulta". ( pq era minha brincadeira de criança). Esse é um daqueles textos que eu escrevo para mim, ou para algo meu! bjs, flor!
Tenso ... Escreve muito bem ;D
Donde você veio eu não entendo, mas compreendo a intensidade de cada gota que você riscou.
'minha criança e eu'
Meu Deus, queria muito, aprender a desenhar fácil assim as coisas.
Bem escrito, envolvente - Imagem intensa demais. Gostei do jogo das palavras que usou.
Grande Beijo e obrigada pelo prazer da leitura.
Você escreve muito bem! Adorei o texto.
"E a única centelha capaz de me libertar de quem eu era."
Muito bom, mesmo.
Beijo,
:*
Sua confusão me encanta amiga, não faz ideia do quanto eu adimiro o seu jeito de escrever e de imaginar. Esse texto está incrivel como todos aqui presentes *-* Amo demais aqui <3
Obrigada Monique, Tati e as demais pessoas que leram meu texto e comentaram e as que leram e guardaram pra si! Porque são vcs que me inspiram a continuar, me mostram que estou no caminho certo e não me deixam desistir. Obrigada!
real?! tenso, mas muito bom mesmo.
adoro seu jeito de escrever.
TIPO ASSIM DONA BELL - pessima essa- cade a continuação? hein?
beijos, isa.
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