Minha flor, Lírio azul.
Escrevo-te os meus versos sinceros com o coração no bico da caneta. Sei que preferes tudo assim: sentimental por exagero.
Sei o quanto errei em não te mandar a sua tão sonhada carta, mas meu ser é pequeno em dimensão e sou criança nas palavras. Não haveria em mim o conteúdo necessário para relatar o que tenho feito e o quanto tenho sofrido com a sua ausência.
Lembro os dias de sol em que ficávamos deitados na grama do campo atrás do seu prédio e de como os olhares das pessoas chegavam flamejantes em minha pele. Como se deitar no campo a céu aberto fosse o maior e o pior pecado de todos. Mas e daí? Esses foram os nossos momentos!
Consigo identificar ainda o seu cheiro. Não sei explicar, é verdade. Mas toda vez que me sento
no banco velho da praça do centro da cidade é como ter você ali. Como se a madeira, estranhamente, tivesse absorvido seu perfume e deixasse exalar ao me sentir sentar.
E como eu gostaria de abrir os olhos nos meus momentos de divagações e ver o seu sorriso, o único sorriso que me faz sorrir por dentro...
Reconheço o quanto fui insensato e como precipitadamente abandonei o sonho de te ter 'pra sempre'.
Só que antes eu não sabia que se pode verdadeiramente ter alguém assim.
Recordo também do seu lenço soado no bolso da minha camisa cinza-claro. Ele continua guardado depois de todos esses anos, tanto pelo esquecimento que me dar tirá-lo, tanto por querer algo seu.
É insuportável pensar que de todas as suas coisas, apenas um lenço sujo restou nas minhas coisas.
Da próxima vez eu vou tratar de guardar uma calcinha. Calcinhas são muito mais interessantes que lenços, e você sabe!
E pode até parecer piegas:continuo te amando.
Eu fui muito mais o espinho do que a terra fértil para você florescer. Mas amor é amor e pouco importa a cara!
Essa é a minha última carta. Àquela carta que escrevi quando entrei no ônibus. A carta que você adulou que eu mandasse via Sedex. Mas diante da própria dor, um homem precisa se calar.
Então, calo-me!
Do seu Joel,
Para o meu eterno Lírio.
Marie, apenas te amo.
E tudo isso é porque amanhã
começa a última semana do outono.
A mesma semana em que
há 20 anos eu te beijei.
{Foto - Regina Spektor}